POR JOELSON DIAS E ELOYSE HENRIQUE COSTA E SILVA
Joelson Dias: Mestre em Direito pela Universidade de Harvard. Ex-Ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Advogado e sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília- DF). Vice-Presidente da Comissão Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
Eloyse Henrique: Advogada e parceira do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF).
O preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), que entrou em vigor no primeiro Dia Mundial da Saúde (7 de abril de 1948), define saúde como “o completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de enfermidade”. Não obstante as críticas a tal concepção, apontada como realidade utópica e intangível, o conceito foi se ampliando com o tempo, até seu reconhecimento como ocorre atualmente, da saúde como direito.
Segundo Laurell, a saúde passa a ser vista como uma necessidade humana e a satisfação “associa-se imediatamente a um conjunto de condições, bens e serviços que permitem o desenvolvimento individual e coletivo de capacidades e potencialidades, conforme o nível de recursos sociais existentes e os padrões culturais de cada contexto específico”¹
Particularmente após a promulgação da Constituição da República de 1988, a legislação brasileira passou a dispor sobre a proteção e promoção dos direitos das pessoas com deficiência e enaltecer a importância da participação cidadã desse importante segmento social, bem assim do respeito às suas particularidades para a efetiva inclusão na comunidade.
Em seu artigo 6º, a Constituição da República de 1988 (CRFB/88) elencou o direito à saúde como um dos direitos sociais e no artigo 196 estabeleceu que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
No entendimento de José Afonso da Silva², os direitos sociais “como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais”. Estão ligados à igualdade material e sua implementação se dá pela criação de políticas públicas, de responsabilidade do Poder Executivo e do Poder Legislativo, podendo vir a ser reforçadas pelo Poder Judiciário.
Por ser universal seu sistema, a saúde é “direito de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar este direito, sendo que o acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, ocupação, ou outras características sociais ou pessoais”. Assim, de acordo com o princípio da universalização, também as pessoas com deficiência devem ter assegurado o seu direito à saúde em condições de igualdade com o restante de toda a população, sem quaisquer distinções. Desse modo, o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde é garantido também às pessoas com deficiência por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS³.
Em 5 de junho de 2002, a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência⁴ foi instituída pela Portaria GM/MS nº 1.060, visando a inclusão do referido segmento social em toda a rede de serviços do SUS, dispensando-lhe, para tanto, atenção diferenciada. Podem ser citadas como diretrizes da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, exemplificadamente, a promoção da sua qualidade de vida, a assistência integral à saúde e a prevenção de deficiências, a ampliação e fortalecimento dos mecanismos de informação e, ainda, a capacitação de recursos humanos.⁵
Em cooperação com Estados, Municípios e o Distrito Federal, é da competência do Ministério da Saúde o processo de formulação, implementação, acompanhamento, monitoramento e avaliação da política de saúde da pessoa com deficiência, buscando-se viabilizar, assim, a execução, pelo SUS, das atividades da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, conforme se verá mais adiante.
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¹ LAURELL, Asa Cristina. A Saúde – Doença como processo social. In: Revista latino americana de Saúde. México.1982.
² SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
³ A promulgação da CRFB/88 instituiu o SUS, buscando oferecer a todo cidadão brasileiro acesso integral, universal e gratuito a serviços de saúde. Considerado um dos maiores e melhores sistemas de saúde públicos do mundo, o SUS beneficia cerca de 180 milhões de brasileiros e realiza por ano cerca de 2,8 bilhões de atendimentos. Trata-se da democratização da saúde. Nas palavras de Carlos Octávio Ocké: “a universalização da saúde tem um potencial transformador, civilizatório dos países da periferia capitalista, permitindo a construção de uma ética pública e solidária na sociedade, fundamental na arquitetura de qualquer nação soberana”.
⁴ O artigo 23 da Constituição da República determina que “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência públicas, da proteção e garantia das pessoas com deficiência”. A Lei n.º 7.853/89, além de reforçar o disposto pela CRFB, atribui institui a promoção de “ações preventivas; a criação de uma rede de serviços especializados em reabilitação e habilitação; a garantia de acesso aos estabelecimentos de saúde e do adequado tratamento no seu interior, segundo normas técnicas e padrões apropriados; a garantia de atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não internado; e o desenvolvimento de programas de saúde voltados para as pessoas com deficiência, desenvolvidos com a participação da sociedade’ (art. 2.º, Inciso II). No âmbito internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 1982, o Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência.
A Organização dos Estados Americanos editou a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência e, finalmente, veio a Convenção Internacional da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em 2006. A Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência é, assim, resultado de diversos movimentos e longa mobilização, nacional e internacional, em busca de condições de vida com dignidade e a emancipação das pessoas com deficiência.
⁵ http://portalms.saude.gov.br/saude-para-voce/saude-da-pessoa-com-deficiencia/publicacoes/808-pes soa-com-deficiencia/41183-politica-nacional-de-saude-da-pessoa-com-deficiencia – Acesso em 18 de maio de 2018
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