Um novo paradigma e muitos desafios
POR ANA CLÁUDIA M. DE FIGUEIREDO
Advogada e ex-assessora de Ministro no Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior do Trabalho. Graduada em Letras e Direito e pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Vice-Presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down e Conselheira no Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência – Conade.
A LBI estabelece, ainda, a possibilidade de solicitação do término do acordo, pela pessoa apoiada,
e de exclusão, pelo apoiador, da sua participação no processo, condicionado o desligamento desse à manifestação
do juiz.
O último dispositivo da disciplina inicial sobre a matéria (§ 11) assenta a aplicabilidade à tomada de
decisão apoiada das disposições referentes à prestação de contas na curatela.
Cumpre assinalar que o Comitê de monitoramento da Convenção recomendou ao Brasil que informe todas as pessoas com deficiência atualmente sob curatela sobre o novo regime legal instituído, de tomada de decisão apoiada, e garanta o exercício do direito a esse novo sistema em qualquer caso¹².
Acerca do único regime antes existente, de decisão substitutiva, importa tecer algumas considerações.
O procedimento de interdição¹³, matriz tradicional do sistema de decisão substitutiva, foi designado pela Lei nº 13.146/2015, na nova arquitetura da teoria das incapacidades¹⁴, como o “processo que define os termos da curatela”¹⁵, a qual se tornou acentuadamente excepcional, proporcional e limitada quanto ao tempo, ao objeto e às hipóteses.
De fato, a definição da curatela das pessoas com deficiência passou a ser medida extraordinária e de natureza protetiva, cabível apenas quando necessário.
Deixou, assim, de ser a regra em relação a essas pessoas – na expressão da antiga interdição (parcial ou total) – para se tornar exceção, incidente tão somente às pessoas especificadas no novo rol do art. 1.767 do Código Civil¹⁶, a saber, aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; os ébrios habituais; os viciados
em tóxico e os pródigos. Relevante destacar que, na avaliação da impossibilidade de expressão da vontade,
é imprescindível a garantia de acessibilidade ampla à pessoa com deficiência, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, notadamente a consubstanciada no acesso à informação e à comunicação, mediante, por exemplo, o uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras), do Braille, do texto com linguagem simples e de todas as espécies de tecnologia assistiva ou ajudas técnicas necessárias.
Da sentença em que definida a curatela constarão as razões e motivações do magistrado, “preservados os interesses da pessoa com deficiência”¹⁷. É imperativo, pois, que, no decreto judicial de curatela, sejam declinados, de modo claro e detalhado, a situação específica do caso concreto e os fundamentos que conduziram o juiz a admitir, em caráter excepcional, a restrição da capacidade civil da pessoa com deficiência – para a prática de atos relacionados ao seu patrimônio e negócios –, que deve ser proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso e durar o menor tempo possível.
Além dessas fronteiras, o legislador delimitou os direitos suscetíveis de serem abrangidos na curatela, a saber, os direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando, assim, o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. Evidencia igualmente a inviabilidade de a curatela se estender
a direitos existenciais o disposto no artigo 6º da LBI. A Lei nº 13.146/2015 ainda assenta duas regras acerca da curatela da pessoa com deficiência: uma que impõe ao juiz, ao nomear curador à pessoa em situação de institucionalização, dar preferência a quem tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária e outra que estabelece que, em casos
de relevância e urgência e a fim de proteger os interesses da pessoa em situação de curatela, será lícito ao juiz, ouvido o Ministério Público, de ofício ou a requerimento do interessado, nomear, desde logo, curador provisório.
Continua…
12 Observações conclusivas sobre o relatório inicial do Estado Brasileiro, p. 4, tradução livre.
13 A ação de interdição é o instrumento legal a partir do qual o juiz decreta a incapacidade civil de uma pessoa maior e nomeia um curador para que esse, por meio da curatela, represente ou assista a pessoa tida como incapaz na prática dos atos da vida civil incluídos na sentença de interdição.
14 Consubstanciada notadamente nos arts. 84 a 87 da LBI e arts. 3º, 4º e 1.767 do Código Civil, entre outros.
15 Embora ainda seja objeto de controvérsia a subsistência, ou não, do procedimento de interdição -– notadamente porque estruturado o Código de Processo Civil sob essa perspectiva -–, é ampla a corrente dos doutrinadores que compreendem ter sido modificado seu “standard tradicional” (Stolze).
16 Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade;
II – (Revogado);
III – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
IV – (Revogado);
V – os pródigos.
17 Consoante o Comentário Geral nº 1 acerca do artigo 12 da Convenção, elaborado pelo Comitê da ONU, quando, apesar de realizado um esforço considerável, não seja possível determinar a vontade e as preferências de uma pessoa, a determinação do “melhor interesse” deve ser substituída, em se tratando de adultos, pela “melhor interpretação possível da
vontade e das preferências” (p. 6, tradução livre).
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