POR JOELSON DIAS E ELOYSE HENRIQUE COSTA E SILVA

Joelson Dias: Mestre em Direito pela Universidade de Harvard. Ex-Ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Advogado e sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília- DF). Vice-Presidente da Comissão Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
Eloyse Henrique: Advogada e parceira do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF).

Adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2006, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD)⁶ consolidou importante avanço para a compreensão das pessoas com deficiência não somente como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial”, mas, principalmente, em verdadeira mudança paradigmática, como detentoras do direito de exigir do Poder Público e da sociedade em geral a remoção ou eliminação das “diversas barreiras [que] podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.

Em seu artigo 25, a CDPD estabeleceu que os Estados devem oferecer às pessoas com deficiência programas e atenção à saúde gratuitos, serviços de saúde que necessitem especificamente em razão de sua deficiência, inclusive diagnóstico e intervenção precoces, bem como serviços projetados para reduzir ao máximo e prevenir deficiências adicionais, inclusive entre crianças e idosos⁷. 

De acordo com as diretrizes do Comitê Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que monitora a aplicação da Convenção da ONU, desde o oferecimento de apoio psicológico a tecnologias assistivas e adaptativas, o Estado é responsável pela adoção de medidas que assegurem às pessoas com deficiência o pleno e efetivo acesso a serviços de saúde de qualidade e individualizados, atendo às particularidades de cada indivíduo. Segundo a Portaria GM/MS nº 793, o propósito das unidades de reabilitação é a manutenção do respeito aos direitos humanos, com garantia de autonomia, independência e de liberdade às pessoas com deficiência para fazerem as próprias escolhas; a promoção da equidade, do respeito às diferenças e aceitação de pessoas com deficiência, com enfrentamento de estigmas e preconceitos; a garantia de acesso e de qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar; a diversificação das estratégias de cuidado e o desenvolvimento de atividades no território, que favoreçam a inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania. 

Mesmo diante das mencionadas políticas de saúde, a incorporação da CPDP no texto constitucional ainda apresentava dificuldades para sair do papel, reclamando necessário reexame da legislação nacional então vigente, para que se adequasse aos ditames da Convenção. Nesse contexto, notou-se a importância da adoção de lei nacional que pudesse orientar e viabilizar a aplicação prática das diretrizes, direitos e garantias assegurados pelo referido documento internacional. Assim, em 6 de julho de 2015, foi promulgada a Lei nº 13.146, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) – ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, mais um importantíssimo instrumento normativo para a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência, buscando a sua mais ampla inclusão social e efetivo exercício da cidadania. A LBI veio ratificar e possibilitar a fruição de direitos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com as demais pessoas.

Em consonância com a Convenção Internacional da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, e também com a Constituição da República de 1988, a LBI estabelece o direito à saúde e confirma a imprescindibilidade de que as pessoas com deficiência tenham garantido o acesso a todos os bens e serviços de saúde, sem forma alguma de discriminação em razão de sua condição particular. Assim como dispõe a Convenção da ONU, a LBI também afirma que a deficiência está no meio e não no indivíduo, nas barreiras que o Estado e a sociedade precisam eliminar para que as pessoas com deficiência possam usufruir de todos os seus direitos.

Na Lei Brasileira de Inclusão, o direito fundamental à saúde está previsto no Título II, Capítulo III, artigos 18 a 26. A Lei contempla diversas garantias, como o diagnóstico e a intervenção precoces, realizados por equipe multidisciplinar, serviços de habilitação e de reabilitação para qualquer tipo de deficiência, atendimento psicológico (que pode ser estendido aos familiares e atendentes pessoais), o respeito à identidade de gênero e à orientação sexual da pessoa com deficiência, bem como o oferecimento de órteses, próteses, meios auxiliares de locomoção, medicamentos, insumos e fórmulas nutricionais.

Além de reafirmarem os princípios e diretrizes da Convenção da ONU, tais dispositivos buscaram aprimorar a oferta de serviços de saúde relativos às pessoas com deficiência, na rede SUS e no sistema privado. Um exemplo de aprimoramento consiste na proibição de empresas de planos de saúde cobrarem mais caro – prática costumeira anteriormente – de pessoas com deficiência, ou mesmo criarem entraves que impeçam a adesão ou a permanência no contrato. Com a LBI, as empresas são obrigadas a ofertar produtos e serviços nas mesmas condições, a todos os seus clientes (artigo 20).
Entretanto, a comprovar o desafio sempre presente da concretização dos direitos, mesmo após a sua proclamação, as pessoas com deficiência têm sido impedidas de usufruírem desse benefício até que norma regulamentadora seja estabelecida.

De forma semelhante, outros direitos assegurados pela Lei Brasileira de Inclusão ainda não foram efetivados, em decorrência, por exemplo, da falta de equipamentos adaptados para realização de exames pelas pessoas com deficiência, filas de espera intermináveis para conseguir cadeiras de rodas ou, ainda, a indisponibilidade de reabilitação contínua para determinados tipos de deficiência.

É importante ressaltar que a inaplicabilidade da LBI, por ausência de atos normativos, que regulamentem o exercício de certos direitos nela preconizados, representa espécie de retrocesso nas conquistas alcançadas pelas pessoas com deficiência. De pouco, ou quase nada, adianta que a LBI assegure às pessoas com deficiência o direito à saúde, em igualdade de qualidade e condições, se o atendimento pleno e integral para tanto necessário não puder ser exigido em toda a sua extensão.

Por fim, importante notar que, em seu artigo 21, a Lei nº 13.257, de 2016, alterou o artigo 11 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), assegurando atendimento médico, sem discriminação ou segregação, à criança e ao adolescente com deficiência, em suas necessidades gerais de saúde e específicas de habilitação e reabilitação.

Concluímos que ainda há um longo caminho a ser percorrido para a efetivação do direito à saúde das pessoas com deficiência no Brasil. A despeito dos avanços e das conquistas já consagradas no ordenamento jurídico brasileiro, de nada servirá a lei se não passar de mero texto normativo, se não for além da proclamação formal de direitos e garantias. É preciso fazer valer, concretamente, os direitos das pessoas com deficiência, de modo que a sua efetiva participação na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas, possa assegurar a sua plena inclusão, autonomia, independência e liberdade para a realização das suas próprias escolhas.

⁶ Convenção Internacional da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) – aprovada em julho de 2008 pelo Decreto Legislativo nº186 e promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 e inserida no ordenamento jurídico brasileiro com status de Emenda Constitucional.
⁷ Ib idem

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em 02 de agosto de 2018.
BRASIL. Lei nº13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm> Acetsso em 02 de agosto de 2018. 

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. Disponível em <http://portalms.saude.gov.br/saude-para-voce/saude-da-pessoa-com-deficiencia/publicacoes/808-pes%20
soa-com-deficiencia/41183-politica-nacional-de-saude-da-pessoa-com-deficiencia> Acesso em 18 de maio de 2018.
LAURELL, Asa Cristina. A Saúde – Doença como processo social. In: Revista Latino Americana de Saúde. México.1982. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm> Acesso em 02 de agosto de 2018.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.
pdf> Acesso em 02 de agosto de 2018. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2005.

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