POR FABIANA ABREU PRADO DE ALENCAR

Terapeuta Ocupacional pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Especialista
em Terapia Ocupacional Dinâmica pelo CETO-SP. Especialista em síndrome de
Down (T21) pelo CEPEC-SP e Unaes. Terapeuta Ocupacional clínica no CEPEC-SP

O objetivo das famílias, quando iniciam o trabalho de estimulação, é investir para que a criança se desenvolva da melhor forma possível, o que não significa, é importante ressaltar, que a criança não apresentará dificuldades ao longo do seu desenvolvimento. Toda criança enfrenta crises para se desenvolver, no caso de crianças com síndrome de Down (T21) existem as questões inerentes que irão aparecer
ao longo do processo e vão se somar às dificuldades comuns ao desenvolvimento infantil. Essas dificuldades deverão ser sempre trabalhadas e ressignificadas pelo adulto no contato com a criança, principalmente buscando facilitar a compreensão das regras e a atenção às habilidades sociais que são necessárias para a vida do dia a dia de forma concreta.
Nesse aspecto também a contribuição da terapia ocupacional se faz notar, considerando-se que “(…) habilidades sociais referem-se à existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório
do indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas das situações interpessoais” (A. Del Prette & Del Prette, 2001, p.31), também essas habilidades vão se tornando mais complexas ao longo
da vida.


Para se pensar a complexidade da aquisição de habilidades sociais, basta que se considere um dos períodos mais críticos da vida que se dá na passagem da infância para a vida adulta, a adolescência. Nesse
momento o jovem está particularmente vulnerável às influências sociais, buscando criar sua identidade a partir do olhar dos outros com quem convive. O grupo de referência tem, nessa fase da vida, especial
importância tanto no desenvolvimento social quanto afetivo do jovem e, no caso de jovens com síndrome de Down (T21)1, a exigência social se torna mais rígida, visto os empecilhos que a sociedade tende
a colocar às pessoas que não se apresentam conforme suas expectativas normativas. Dessa maneira, o trabalho da terapia ocupacional busca construir as bases para que o jovem com síndrome de Down
(T21) possa desenvolver as capacidades necessárias para evitar as relações que o colocam numa posição infantilizada, criando condições para que estes possam ter recursos próprios para agir e se conduzir nas diferentes situações sociais, tendo consciência das suas dificuldades, mas confiando em seu potencial e suas possibilidades de sucesso.


Uma das questões mais cadentes na adolescência e juventude é a demanda por autonomia que se torna constante para o jovem. Também o adolescente com síndrome de Down (T21), ao atingir a adolescência,
tende a buscar sua autonomia e compreender as características determinantes da síndrome de Down (T21) pode auxiliar nessa busca. A terapia ocupacional tem como um dos seus objetivos facilitar a aquisição das habilidades que permitem ao sujeito encontrar progressivamente sua autonomia ao longo da vida. Essa busca pela autonomia, ou seja, a capacidade de governar-se pelos próprios meios, requer habilidades que permitam à pessoa realizar suas atividades cotidianas de forma independente e sem auxílio de terceiros. São atividades cotidianas tanto aquelas de auto cuidado (tomar banho, escovar os dentes, alimentar-se, etc.) como aquelas voltadas ao convívio e à ampliação da socialização (preparar a sua alimentação, escolher as próprias roupas, se locomover sozinho). Nesse momento de passagem entre a infância e a vida adulta, a terapia ocupacional colocará sua ênfase especialmente na busca de autonomia e independência do sujeito.


Cabe lembrar que a importância de fazer escolhas é encorajada pelo trabalho da terapia ocupacional, desde os primeiros gestos do bebê. Isso se configura ao oferecer ao bebê e, posteriormente, à criança, a possibilidade de escolhas, por exemplo quando ela é chamada a decidir a brincadeira que prefere ao ser exposta a diferentes brinquedos. Essa oportunidade de fazer escolhas desde o princípio da vida permite que a criança possa ter maiores condições para explorar os vários detalhes da atividade e, com isso, intensificar sua capacidade de concentração, que é determinante para o convívio social e a autonomia ao longo da vida.
Embora aparentemente as escolhas a serem feitas dependam apenas de oportunidade, sabe-se que a capacidade de escolher depende de múltiplas habilidades, nem sempre tão evidentes e, nesse ponto, o trabalho de terapia ocupacional é um fator diferencial da maior importância, uma vez que o profissional tem condições de aliar a observação do comportamento infantil ao seu desenvolvimento motor, condição básica para as interações com os objetos e com os outros. O desenvolvimento das habilidades motoras finas nas mãos, por exemplo, se dá a partir do reflexo de preensão palmar ao nascer, substituído aos 4/6 meses pela preensão palmar voluntária, seguida pela preensão radial digital (dedos indicador, polegar e médio), pinça inferior e pinça superior.


Esses movimentos de oposição, entre os dedos indicador e polegar (pinça), são os que nos permitem segurar objetos pequenos e que favorecerão o manuseio dos talheres, do lápis, da tesoura, colocar uma chave na fechadura, entre outros. A terapia ocupacional, ao trabalhar as habilidades cognitivas e motoras simultaneamente, está criando condições para que a criança, em seu dia-a-dia, tenha a oportunidade
de espetar pequenos pedaços de alimento e tornar funcional a utilização do garfo, habilidade diretamente vinculada às capacidades desenvolvidas nas diversas atividades de perfuração que são a base para essa utilização. As habilidades com a faca devem ser iniciadas com materiais mais flexíveis como, por exemplo, massa de modelar, e introduzidas gradualmente. As crianças devem ser estimuladas a espalhar manteiga ou geleia no pão, a partir da idade escolar, praticando a força e a coordenação dos dedos. Assim, se sentirão mais confiantes para preparar o próprio lanche, além de praticar e desenvolver a destreza para colar, escrever, recortar, entre outras atividades viso-motoras.


O aprendizado dos movimentos finos se dá através dos seguintes componentes da práxis: ideação, planejamento motor, coordenação motora e feedback. Vale ressaltar que as pessoas com a síndrome de Down (T21) apresentam o processo de feedback, das terminações nervosas para o córtex motor, mais lento, tendendo a levar mais tempo para aprender e refinar os movimentos, assim como ajustar a força às
características dos diferentes objetos que exploram com as mãos, (Bruni, 2006). A oportunidade de ter contato com o trabalho de terapia ocupacional deveria ser democratizada para todas as crianças, uma vez que a partir de atividades aparentemente simples é possível ampliar consideravelmente o universo exploratório infantil, que está na base do desenvolvimento global. Eventualmente atividades cotidianas concentram um potencial pouco explorado e o trabalho da terapia ocupacional busca valorizar qualidades pouco óbvias do fazer cotidiano como forma de potencializar o desenvolvimento individual e global, inclusive do ponto de vista da socialização e autonomia. Assim, uma atividade aparentemente banal do dia a dia, pode ser potencializada pela terapia ocupacional, valendo-se de diversos aspectos intrínsecos e pouco conhecidos das mesmas, como, por exemplo, o manuseio da tesoura e a importância de propor atividades mais refinadas das mãos em diferentes planos e eixos, evitando que a criança realize compensações inadequadas do movimento e as repita infinitamente, realizando o mesmo movimento sempre na mesma posição. Por outro lado, no cotidiano, as atividades que requerem movimentos mais finos das mãos, dependem da condição de exploração da linha média corporal, bem como a coordenação bi manual e a coordenação viso motora (Bruni, 2006) ou seja, aquela que requer a utilização dos olhos, guiando ambas as mãos como, por exemplo, durante o ato de recortar, com uma mão manuseando a tesoura e a mão auxiliar segurando o papel, gestos repetidos e estimulados no trabalho de terapia ocupacional.


Quando se pensa na vida adulta, considera-se relevante a condição para a inclusão no mercado de trabalho e, novamente, destaca-se o protagonismo das ações de cuidado no campo da terapia ocupacional,
uma vez que a participação de trabalhadores com síndrome de Down (T21) tem se ampliado ano a ano, desde que conquistas importantes de cidadania ocorreram, como é o caso de Lei de Cotas (Brasil,
1991) para ingresso no mercado de trabalho. Essa perspectiva de ampliação social é um dos motivos que nos levam a afirmar a importância do trabalho da terapia ocupacional no acompanhamento dessa
população, a fim de instrumentalizá-los a superar as barreiras que tendem a impedir uma participação no dia a dia que seja plena e satisfatória, como deve ser para todos os cidadãos.
Como se pode notar, o campo de atuação da terapia ocupacional, abrange os diferentes períodos e as necessidades inerentes a cada fase das pessoas com síndrome de Down (T21) ao longo de seu desenvolvimento.


As práticas terapêuticas ocupacionais visam a ampliar o universo relacional da criança e viabilizar maneiras de acessar a aprendizagem nas mais diversas áreas de vida cotidiana, para que todos os sujeitos adquiram habilidades ocupacionais funcionais e prosperem num percurso de vida tanto mais independente e autônomo, quanto pleno de oportunidades, de realização pessoal e social, no âmbito de uma vida participativa e compartilhada.

Guia T21

Esse texto faz parte do nosso Guia sobre T21 que você pode baixar completo gratuitamente na versão digital.

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