POR DRA. ANA ELISA RIBEIRO FERNANDES

Pediatra com Área de atuação em Medicina do Sono. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente – UFMG. Médica do Ambulatório do Sono do Hospital João Paulo II (FHEMIG). Responsável pela polissonografia pediátrica do Laboratório do Sono do Núcleo de Otorrino.

Para o diagnóstico definitivo de apneia obstrutiva do sono a polissonografia é necessária. Um estudo mostrou
que 57% das crianças com T21 tinham polissonografia alterada, mas apenas 30% dos pais reconheciam que seus filhos tinham problemas com o sono, mostrando que a correlação entre a queixa dos pais e o diagnóstico de AOS é muito baixa. Por esse motivo, a recomendação da Academia Americana de Pediatria é que desde os primeiros meses de vida, em todas as visitas, o pediatra pergunte sobre os sintomas de apneia. Os principais sintomas durante o sono são: dispneia, sono agitado, roncos, posições não usuais, pescoço estendido, respiração oral, apneias, engasgos, sudorese excessiva, chutes, enurese, parassonias (sonilóquio, despertar confusional, sonambulismo, terror noturno). Os sintomas diurnos incluem sonolência excessiva (dormir no carro, vendo TV, cochilar após os 5 anos de idade), cansaço, problemas de comportamento e aprendizado. Assim que algum sintoma for detectado, a criança deverá ser encaminhada para um especialista em sono para fazer a polissonografia.

Caso a criança com T21 não apresente sintomas, ela deverá fazer de rotina uma polissonografia aos 4 anos.
Essa idade foi definida porque a grande maioria dos estudos mostra apneia grave na maioria das crianças por
volta de 4 anos de idade. Não existe um consenso sobre quando repetir o exame na ausência de sintomas, a recomendação da Universidade da Carolina do Sul é que se repita aos 8 anos de idade. A Academia Americana de Medicina do Sono também recomenda que se realize a PSG antes da cirurgia de retirada de amígdalas e adenoide, e após 3 meses, para ver se a apneia ainda prevalece e após qualquer outro tratamento para apneia, para avaliar a resposta. 

A polissonografia é o registro de vários parâmetros durante o sono. Esses parâmetros incluem:
• eletroencefalograma com 6 canais;
• eletro-oculograma;
• eletromiograma do queixo Esses três parâmetros definem os estados de vigília, sono (N1, N2, N3, REM). O eletromiograma do queixo também auxilia na detecção do bruxismo.
• cânula nasal;
• termístor, (mede diferença de temperatura entre o ar que sai, quente, e o que entra, frio);
• oxímetro;
• capnografia;
• cintas torácicas e abdominais;
• microfone de ronco;
Esses parâmetros permitem classificar as apneias em obstrutivas, centrais ou mistas. Avaliar hipóxia, hipercapnia e esforço respiratório.
• eletrocardiograma com 1 canal;
• eletromiograma da perna, para detectar Movimento Periódico de Pernas;
• registro de posição (prono, supino ou lateral);
• vídeo, registra o comportamento durante o sono.

A Academia Americana de Medicina do Sono recomenda que toda polissonografia até os 18 anos seja feita
com todos os sensores mencionados acima e dentro um laboratório do sono. Com o objetivo de preparar a criança para o exame é interessante considerar uma visita prévia ao laboratório para tirar as dúvidas, conhecer o local e o equipamento. Alguns dias antes do exame, simulá-lo em bonecos e na própria criança como se fosse uma brincadeira. No dia do exame, deve-se levar tudo o que ajuda a criança a dormir e que ela já está acostumada, como bico, mamadeira, “paninho”, livro, etc. Durante a montagem, é interessante que as mãos da
criança estejam ocupada com algo do interesse delas. Algumas vezes, a montagem é feita com a criança dormindo porém corre-se o risco dela acordar assustada durante a montagem ou mesmo no meio da noite. O ideal é que se converse e se expliquem todos os passos durante os preparativos do exame.
O registro da noite gravado é dividido em telas de 30 segundos e analisado utilizando regras ditadas pela Academia Americana do Sono. O laudo do exame é feito por um médico especialista em sono e deve conter:
• tempo total de sono;
• latência do sono (tempo que a pessoa demorou para dormir);
• tempo acordado após início do sono;
• latência do REM (tempo de sono até o primeiro episódio de REM);
• eficiência do sono (adequado que a pessoa durma mais de 85% do tempo de registro);
• percentuais em cada estágio do sono (que varia com a idade);
• índice de despertares (normal até 11/h);
• atividade anormal no eletroencefalograma;
• índice de Movimento Periódico de Pernas (normal até 5/h em crianças e 15/h em adultos);
• alteração no eletrocardiograma;
• alteração de comportamento;
• tempo com oxigenação abaixo de 90% em crianças e abaixo de 88% em adultos (alterados quando ocorrem
por mais de 5 minutos);
• ocorrência de hipoventilação (medida de pCo2 acima de 50mmHg por mais de 25% do tempo total de sono);
• presença de respiração periódica e respiração de Cheyne-Stokes;
• índice de apneias e hipopneias obstrutivas e índice de apneia central.

Através do índice de apneias e hipopneias classificase a apneia em leve, moderada ou grave. Em crianças
esses valores são 1 a 4,9 eventos/h, 5 a 10/h e acima de 10/h e em adultos 5 a 15/h, 15 a 30/h e acima de 30/h,
respectivamente. Como são várias as causas da apneia obstrutiva do sono em crianças com T21, é de se esperar que um tratamento só não seja suficiente e a abordagem deve ser individualizada e multidisciplinar envolvendo pediatra, médico do sono, otorrinolaringologista, dentista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, entre outros.
Deve-se avaliar a necessidade dos seguintes tratamentos clínicos:
• perda de peso quando indicado;
• corticoides nasais e antagonistas do receptor de leucotrienos;
• tratamento de Refluxo Gastroesofágico quando houver;
• controle do hipotireoidismo;
• ventilação com pressão positiva (PAPs);
• tratamentos ortodônticos: expansão rápida de maxila, distração da mandíbula. Apesar de existirem alguns
estudos publicados mostrando o benefício desse tipo de terapia na apneia, não existem estudos específicos em
pessoas com T21;
• terapia miofuncional: também não existem estudos específicos em pessoas com T21.

Deve-se avaliar os seguintes tratamentos cirúrgicos:
• adenoidectomia e amigdalectomia, tratamento de escolha da apneia em crianças. Porém, enquanto a taxa
de cura em crianças típicas varia de 60 a 80%, em crianças com T21 é de 16 a 33%. Sabe-se que quanto mais grave apneia maior a melhora e que a queda média do número de apneias é de cerca de 50%;
• cirurgia para retirada de tonsilas linguais, após a retirada das amígdalas e da adenoide 2% das crianças típicas
apresentam aumento das tonsilas linguais e 50% das crianças com T21. Após a retirada a cura foi de 19% e 62%
apresentou apneia leve;
• estimulador do nervo hipoglosso, é um tratamento descrito em adolescentes. A língua recebe um estímulo
elétrico para se manter em protrusão, evitando a glossoptose e a obstrução da orofaringe.

Os aparelhos de pressão positiva ou PAPs são aparelhos que mandam uma pressão de ar, formando uma coluna que preenche as vias aéreas e evita o fechamento das mesmas durante o sono. Os PAPs podem ser CPAP ou BPAP. O CPAP oferece uma pressão constante durante a inspiração e a expiração. Os BPAPs oferecem 2 pressões uma mais alta para a inspiração (IPAP) e uma mais baixa expiratória (EPAP). A escolha do aparelho depende se há doença de base, hipoventilação associada, tolerância à pressão utilizada e
peso do paciente. As indicações do uso dos PAPs incluem contra-indicação cirúrgica, tecido adenotonsilar pequeno, apneia residual após a cirurgia, apneia leve associada à sonolência excessiva, problemas de comportamento, déficit de atenção e hiperatividade, problemas de aprendizado, baixo ganho ponderal e hipertensão pulmonar / sistêmica. O uso de PAP no pré-operatório de adenotonsilectomia na apneia grave é indicado para reduzir a morbimortalidade perioperatória.
Os PAPs são eficazes para melhorar os sintomas noturnos, a sonolência diurna e normalizar a polissonografia,
além de benefícios em relação às questões cognitivas e comportamentais. A maior limitação ao tratamento é a
adesão, porém um estudo mostrou que 72% das crianças com T21 aceitaram o tratamento com CPAP. Técnicas
cognitivo comportamentais como orientação dos pais, distração, condicionamento, exposição gradual, reforço
positivo e extinção são efetivas para melhorar a adesão. Os efeitos colaterais dos PAPs, em geral, são menores
e transitórios e incluem lesões de pele pelo contato com a máscara, vermelhidão ocular (10 a 20%) devido ao vazamento de ar pela máscara, sintomas nasais (rinorreia, epistaxe e congestão nasal – 17%), deformidade facial
principalmente em crianças e risco mínimo de pneumotórax. Umidificadores acoplados ao aparelho e a escolha da máscara adequada podem minimizar esses efeitos.
Consequências De Um Sono Inadequado e Da Apneia Do Sono Reconhece-se facilmente as consequências de uma noite mal dormida: irritabilidade, impaciência, dificuldade no aprendizado, tempo de reação mais lento, prejuízo na linguagem.
Crianças típicas com apneia do sono apresentam diminuição da substância cinzenta do cérebro e apresentam
um quadro semelhante ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade caracterizado por alterações de
comportamento (agressão, impulsividade e hiperatividade), alteração da função neuro cognitiva (atenção, função
executiva, motora, aprendizado e memória) e diminuição na capacidade verbal, pior rendimento escolar.
Vários estudos registraram prejuízos de um sono de qualidade ou quantidade insuficientes em crianças com
T21, nas seguintes áreas:
• autonomia e socialização, maior dificuldade em manter a hora das refeições, cuidados pessoais,  esponsabilidade, relações interpessoais, vida em comunidade, escola e menor atividade física;
• atenção, distrações e dificuldades para manter a atenção.
• controle inibitório, inabilidade para controlar respostas impulsivas, dificuldade na antecipação, no planejamento
e na definição de objetivos adequados para cada situação;
• comportamento, irritação e agitação;
• memória, enquanto em crianças típicas o sono tem um papel ativo na consolidação da memoria, com melhora
nos teste após dormir, crianças com T21 não apresentam mudanças nesses teste antes e após dormir;
• sonolência diurna, crianças com T21 acumulam mais facilmente a pressão do sono ao longo do dia, e esse cansaço acumulado também gera prejuízo no aprendizado;
• função executiva, incapacidade de direcionar o comportamento para um objetivo, avaliar a eficiência e
adequar os atos para alcançar as metas. 

Vários estudos científicos reconhecem os prejuízos específicos da Apneia do Sono em crianças com T21:
• habilidades visuoespaciais (que é um dos aliados em pessoas com T21), percepção espacial, orientação no espaço e planejamento de rota;
• funções adaptativas, habilidades para lidar com demandas comuns e grau de independência;
• aprendizado, motor, verbal, memória, tempo de reação, flexibilidade cognitiva (perceber que o que se está fazendo não funciona, e executar as alterações adequadas);
• linguagem, escolares com T21 e apneia apresentavam QI verbal 9 pontos a menos, 190 palavras a menos no
vocabulário do que crianças com T21 sem apneia;
• depressão na adolescência;
• Alzheimer, déficit de memória e aprendizado, redução dos marcadores metabólicos no córtex pré-frontal e
hipocampo (áreas comprometidas na SD).

CONCLUSÃO


O sono é extremamente importante para o aprendizado, a autonomia, o bom funcionamento do sistema
imunológico e do corpo como um todo. Os distúrbios do sono em pessoas com T21 são altamente prevalentes e
muitas vezes negligenciados. A apneia obstrutiva do sono é o principal distúrbio e muitos fatores de risco podem
ser controlados ou removidos. O diagnóstico clínico não é fácil pois os sintomas são muito semelhantes a algumas características da T21, por isso a polissonografia é mandatória aos 4 anos ou antes caso haja sintomas. Existem várias ações descritas que podem ajudar a criança realizar o exame sem maiores dificuldades. Como as causas da apneia obstrutiva do sono, em pessoas com T21, são várias o
tratamento também envolve uma série de abordagens. O diagnóstico e tratamento não devem ser negligenciados pois têm um enorme potencial de melhorar a qualidade de vida, o aprendizado e o comportamento, além de prevenir uma série de doenças que vão surgindo ao longo da vida dessas pessoas.


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