POR GONZALO LOPEZ
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ (2002/2008). Mestre pela UFRJ (HCTE – 2015/2017). Professor de Direitos da Criança e do Adolescente, de Direitos da Pessoa com Deficiência, Direitos do Idoso e Direito Educacional do Curso MasterJuris (online), Membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da OAB (CDPD/CFOAB), Secretário-Geral da Comissão “OAB Vai à Escola”
A Lei Brasileira da Inclusão (“LBI” – Lei Federal nº 13.146/2015) tem provocado visíveis modificações no cenário educacional brasileiro. E não apenas em sua face normativa, ela também tem afetado significativamente as vivências dos ambientes escolares com o maior rigor legislativo, que tem garantido uma abertura mais efetiva à convivência com
diversidades.
O ambiente escolar deverá lidar com essa diversidade pedagógica (e humana) que se apresenta legalmente instituída e judicialmente respaldada, inclusive, por decisão majoritária (9 votos contra 1) do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de controle abstrato de constitucionalidade, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 5.357 (ADI nº 5357) 1. É fundamental destacar que o afastamento entre norma educacional e cotidiano escolar não é privilégio de estudantes com deficiência, mas de todos (com ou sem deficiências). Há um enorme abismo, que se expande, nas salas de aula, entre as propostas pedagógicas de ensino e os anseios e expectativas de aprendizagem dos discentes.
No caso de estudantes com deficiência, esse abismo não apenas existe e se expande, mas também produz conflitos legais, com a possibilidade até de aplicação de medidas penais contra gestores escolares (por isso, talvez a visibilidade e as controvérsias estejam mais aparentes e recebendo maior atenção).
Nesse sentido, o estudo jurídico (e pedagógico) do processo de inclusão em educação pode ser entendido como uma oportunidade para reflexão sobre o sistema educacional como um todo. Afinal, ao prever, por exemplo, o planejamento do estudo de caso (individualizado) e a adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que ampliem o desenvolvimento acadêmico e social (respectivamente, nos incisos VII e V, o artigo 28 da LBI), não se estaria abrindo uma possibilidade para melhoria do ensino para todo corpo discente, independentemente da deficiência? A inclusão em educação só é efetiva quando para todos os alunos.
A possibilidade de aplicar as normas e práticas pedagógicas, inicialmente, direcionadas aos estudantes com deficiência, para o ensino e aprendizagem de todos os alunos é a maior oportunidade de evolução da escola para um modelo de aprendizado efetivo e formação cidadã.
Nos dias atuais, lamentavelmente, a maior parte dos estudantes permanece por mais de uma década na escola e se formam com pouquíssima bagagem para enfrentar a vida e seus enormes desafios práticos.
A escola do século XXI deve valorizar a diversidade para o enriquecimento coletivo do processo educacional, alinhada com as normas e os valores constitucionais brasileiros, concedendo-lhe voz, ação e protagonismo, buscando recursos na pedagogia mais dinâmica e contemporânea.
A valorização da diferença, e o consequente uso de recursos e práticas pedagógicas inclusivas, têm como objetivo democratizar o aprendizado, não somente para estudantes com deficiência, mas para todos.
Nesse sentido, o afastamento da percepção capacitista (que considera a pessoa com deficiência como incapaz) visa possibilitar outra compreensão acerca do papel de estudantes com deficiência e, em especial, dos recursos e técnicas pedagógicas do processo de inclusão em educação nos ambientes educacionais.
Essa (nova) linha de abordagem se baseia nos Estudos Sobre Deficiência (ESD) que se contrapõem à ideia da deficiência como déficit. Para isso, os ESDs formam uma área de estudo multidisciplinar em que a deficiência é estudada como marcadora de identidade – como a raça, etnia, classe, gênero e orientação sexual (VALLE, 2014, p.13).
Um aspecto importante dessa linha de pensamento é romper com a ideia de que a pessoa com deficiência é considerada inapta por suas próprias funcionalidades, sem ao menos, haver uma reflexão sobre o ambiente que a circunda e impõe barreiras impeditivas e limitadoras.
A deficiência não será considerada esgotada na pessoa (com deficiência) e em seus atributos, mas, considerará o ambiente que lhe é hostil e pode aprofundar possíveis traços que a deficiência apresenta.
Por exemplo, antes de determinar que uma pessoa com deficiência intelectual, ou um transtorno específico, não possui capacidade para alfabetização, deve ser considerada a efetividade das estratégias de ensino e aprendizagem a serem aplicadas, pois, através de outras técnicas, pode ser consolidado o processo de alfabetização de forma muito mais simples e natural (e não somente de pessoas com deficiência intelectual ou transtornos). É com esse olhar que a deficiência surge como oportunidade de reestruturar ou refuncionalizar técnicas pedagógicas tradicionais, na busca pela democratização do ensino e da aprendizagem.
A deficiência é vista através de lentes sociais, como uma série de respostas históricas, culturais e sociais à diferença humana. Essa visão afeta a escolha de respostas às deficiências. Basicamente, essa visão transporta as respostas da premissa de que “alguma coisa está errada com as pessoas com deficiência” para “alguma coisa está errada com um sistema social que incapacita as pessoas” (VALLE, 2014, p.13).
Algo interessante dessa abordagem é perceber que não se aplica somente aos estudantes com deficiência, mas ao corpo discente como um todo. Estudantes sem deficiência também não se interessam ou compreendem diversos conteúdos pelo simples fato das técnicas de ensino serem absolutamente ineficazes ou pouco produtivas.
Como regra, novas técnicas de ensino permitem aos discentes entender temas antes incompreendidos, ou seja, aplicando múltiplas técnicas de ensino, todos os discentes ganham e aprendem, não apenas os estudantes com deficiência. O modelo de respeito às diversidades cognitivas, que implica na pluralidade de técnicas para transmissão do conteúdo, é benéfico para todos.
As múltiplas inteligências são a premissa. O melhor de cada estudante (com ou sem deficiência) guia o processo pedagógico, não suas dificuldades.
A escola deixa de usar décimos nas notas para reprovar o ano do discente e passa a estimular os talentos e habilidades que possam promover o avanço do estudante.
Dentro dessa perspectiva, a educação inclusiva apresenta recursos pedagógicos e tecnológicos que têm potencial para revolucionar o processo de ensino e aprendizagem. O estudante de melhor desempenho na disciplina, com tantos novos recursos e estudos disponíveis em meios virtuais, poderá se tornar um expert de forma ainda mais precoce. O aluno com TEA (Transtorno do Espectro Autista) não verbal, que utiliza tablets e tábuas de comunicação, poderá interagir plenamente em sala de aula, assim como um estudante tímido, através do tablet, poderá se mostrar o melhor escritor e poeta da turma. E são tantas as possibilidades. Nesse ponto, a educação inclusiva, ao questionar o modelo pedagógico tradicional e sua relação ensino versus aprendizagem, traz novas possibilidades de potencialização e recuperação da atratividade do discente pelo ambiente escolar.
A educação inclusiva promete um “novo mundo” de possibilidades (de sucessos e fracassos) e isso gera profunda desconfiança e muitos desafios. A possibilidade de uso das novas propostas dependerá de debates e controvérsias pouco, ou sequer, pautadas ainda. Mas, certamente o direito terá papel de destaque, como tem ocorrido na proibição de uso de celulares atualmente. O direito educacional deverá se debruçar sobre as novas possibilidades com a vanguarda da mudança que produz benefícios inestimáveis, mas sem perder o fundamento da ética e da equiparação de ferramentas que possibilitem a melhor formação do cidadão numa sociedade que se pretende solidária e preparada para os desafios futuros.
Os recursos tecnológicos podem vir a propiciar um prazer no aprender que a educação tradicional não tem conseguido ofertar. Não há que se falar em plena improdutividade no modelo tradicional, ao contrário, muitas técnicas devem ser mantidas. Se trata de incorporar o que for bom e manter o que já funciona. Refuncionalizar o modelo, absorvendo o
que se entender como produtivo.
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15. VYGOTSKI, LEV SEMIÓNOVIC. Obras escogidas, v, fundamentos
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