POR DRA. ELISABETE CARRARA DE ANGELIS*

Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana e Doutora em Neurociências (Unifesp-EPM). Especialista em Voz e em Motricidade Orofacial. Diretora do Departamento de Fonoaudiologia do A. C. Camargo Cancer Center.

O desenvolvimento da fala e da linguagem podem ser desafiadores para muitas crianças com síndrome de Down (T21), e há autores que consideram a fonoterapia como a parte mais importante da intervenção, se o objetivo é promover o desenvolvimento cognitivo e social (Buckley & Prèvost, 2002). Quanto antes uma criança adquire vocabulário, antes ela desenvolverá seu conhecimento sobre o mundo. Além disso, a linguagem dá suporte ao pensamento. Consequentemente, crianças com atraso na aquisição de linguagem podem ter atrasos nas habilidades cognitivas.

A linguagem é igualmente importante para o desenvolvimento social, à medida que a negociação com o mundo e o controle de seu comportamento acontecem por meio dela, por exemplo, pedindo o que querem, explicando como se sentem, descrevendo o que estão fazendo ou dividindo pensamentos e preocupações.

À medida que se desenvolve, a criança começa gradativamente a controlar seu comportamento utilizando-se da “fala silenciosa” para instruir a si própria e planejar suas ações. Assim, quanto mais ajudarmos uma criança com síndrome de Down (T21) a falar, mais rapidamente ela progredirá em todas as áreas do desenvolvimento cognitivo e social (Buckley & Prèvost, 2002).

Muitas controvérsias existem com relação à abordagem fonoaudiológica na síndrome de Down (T21). Não apenas no Brasil, mas ao redor do mundo, as famílias deparam-se com diferentes opções de tratamento fonoaudiológico, dependendo de onde vivem, e do interesse e conhecimento do fonoaudiólogo local nas diferentes necessidades da criança.

O objetivo deste capítulo é apresentar um resumo das propostas de estimulação fonoaudiológica baseadas nas evidências científicas atualmente disponíveis na literatura. Será um resumo do perfil, necessidades e sugestões de intervenção para a síndrome de Down (T21).

PERFIL

Embora muitas crianças com síndrome de Down (T21) aprendem a falar e usarão a fala como principal meio de comunicação, a compreensão da linguagem e o desejo de se comunicar podem desenvolver-se bem antes da capacidade de expressar-se verbalmente. As crianças com síndrome de Down (T21) frequentemente falam palavras simples entre os 2 e 3 anos de idade, mas a idade das primeiras palavras varia muito.

A literatura demonstra que há um perfil desigual das diferentes áreas de desenvolvimento – social, cognitivo e de linguagem – na criança com síndrome de Down (T21), incluindo forças e fraquezas. O desenvolvimento social é tipicamente uma área facilmente desenvolvida, enquanto o desenvolvimento da linguagem falada apresenta maiores dificuldades (Chapman, 1997).

Especificamente falando de linguagem, as pesquisas e a experiência clínica também demonstram que suas diferentes áreas não se desenvolvem igualmente; algumas são mais difíceis para crianças com síndrome de Down (T21), enquanto outras são relativamente mais fáceis. As áreas mais fáceis incluem o vocabulário (semântica) e a pragmática (linguagem interativa social); frequentemente há o desenvolvimento de um vocabulário rico e variado à medida que amadurecem. As boas habilidades de interação social permitem que usem gestos e expressões faciais geralmente de forma efetiva como auxilio à comunicação. A maioria tem o desejo de se comunicar e interage bem com as pessoas. Dentre as áreas mais difíceis da linguagem, por sua vez, está a sintaxe (gramática), possivelmente devido à sua complexidade e natureza abstrata.

Na fala propriamente dita, há dificuldades consideráveis em todos os níveis, desde o planejamento motor (Apraxia de Fala na Infância – AFI) até a articulação e a fonologia, levando a dificuldades importantes na inteligibilidade e consequentemente, impedindo uma comunicação verbal efetiva (Stoel Gammon, 2001).

Até 2007, o conceito de apraxia de fala na infância era muito controvertido; muitos autores consideravam a apraxia apenas para adultos. A partir de revisão de literatura restrita e criteriosa sobre os fundamentos científicos em apraxia na infância, a Asha (American Speech-Language-Hearing Association) formou um comitê Ad-Hoc sobre este tema e adotou, em 2007 o termo CAS (Childhood Apraxia of Speech) – Apraxia de Fala na Infância (AFI) – para se referir a todas as apraxias que se manifestam na infância. A AFI é definida como um distúrbio neurológico dos sons da fala na infância, na qual a precisão e consistência dos movimentos que permeiam a fala estão prejudicados. O principal impedimento manifesta-se no planejamento e/ou programação de parâmetros espaço-temporais das sequências de movimentos, resultando em erros na produção dos sons da fala e na prosódia (ASHA, 2007).

A AFI ainda é pouco diagnosticada ou tratada na síndrome de Down (T21) e há um motivo histórico para isso. Os pesquisadores, que definiram apraxia de fala em crianças, historicamente incluíram, em seus estudos, crianças com ausência de perdas auditivas ou fraqueza muscular e QI dentro da normalidade. Consequentemente, crianças com síndrome de Down (T21) foram excluídas destes estudos iniciais.

Somente com os estudos de Kumin, no século 21, é que a avaliação e o tratamento da apraxia na síndrome de Down (T21) passaram a ser considerados, e isto ocorre essencialmente nos Estados Unidos. No Brasil, até onde sabemos, não há estudos sobre este tema, e a prática fonoaudiológica tradicionalmente não considera a apraxia dentro das possibilidades diagnósticas ou de abordagens terapêuticas. Geralmente, profissionais não considerarem a AFI dentre as possibilidades diagnósticas para o atraso de fala na síndrome de Down (T21), e frases do tipo: “Juliana falará no seu tempo” ou “Mariana é preguiçosa para falar” ou “Gabriela falará quando estiver pronta” ainda são ditas, levando a uma conduta de espera que muito pode significar na evolução de uma criança com AFI (Carrara-de Angelis, 2018). Isto torna-se ainda mais grave quando a literatura começa a sugerir que mais de 75% das crianças com síndrome de Down (T21) têm AFI.

POSSÍVEIS CAUSAS DAS ALTERAÇÕES DE FALA E LINGUAGEM

1) Alterações da Audição

A maior parte das crianças com síndrome de Down (T21) (80 a 90%) tem perdas auditivas condutivas e dificuldades de discriminação auditiva. Devido às diferenças anatômicas existentes (ex.: canais mais estreitos e mais curtos), elas são mais susceptíveis ao acúmulo de fluidos na orelha média. A otite média secretora resulta do acúmulo de fluidos e inflamação da orelha média, algumas vezes com infecção. A criança deve ser seguida pelo pediatra e pelo otorrinolaringologista e realizar testes auditivos periodicamente a cada 6 meses, do nascimento aos 3 anos, e anualmente até os 12 anos. As dificuldades auditivas são uma das justificativas para as alterações fonológicas bem como para as alterações do planejamento motor (Jarrold & Baddeley, 2001).

2) Dificuldades de alimentação

A fala é uma função secundária que utiliza as mesmas estruturas anatômicas usadas para a respiração e a alimentação. A hipotonia pode afetar a alimentação desde o nascimento, interferindo nos padrões de sucção e posteriormente de mastigação, e pode consequentemente também afetar a fala. Na alimentação, a criança pratica com força e coordenação os músculos que serão utilizados para a fala.

3) Memória de trabalho

Crianças com síndrome de Down (T21) podem ter alterações específicas no looping fonológico da memória de trabalho, relacionada às habilidades não verbais, e alguns autores consideram esta dificuldade a principal causa de suas dificuldades de fala e linguagem (Jarrold & Baddeley, 2001).

O looping fonológico tem um papel crítico no aprendizado da linguagem falada uma vez que ele mantém o padrão sonoro da palavra para permitir que a criança o conecte com o significado e o guarde como base para produção da palavra falada. As dificuldades no looping fonológico afetarão tanto o aprendizado do vocabulário quanto o aprendizado da sintaxe.

4) Outras habilidades

Várias outras habilidades estão relacionadas ao desenvolvimento da fala e da linguagem. São elas:

– imitação de sons;

– troca de turnos, desenvolvida através de brincadeiras e jogos;

– habilidades visuais, olhar para o falante e para objetos;
– habilidades auditivas, ouvir música, fala e sons de fala por períodos gradativamente maiores;
– habilidades táteis, aprender a tocar e explorar objetos com a boca;

– habilidades motoras orais, usar a língua em diferentes movimentos e funções, mover os lábios;

– habilidades cognitivas.

A família pode e deve estimular estas habilidades pré-linguísticas em casa. Os fonoaudiólogos devem ensinar os pais quanto às habilidades que os filhos precisam desenvolver.

Guia T21

Esse texto faz parte do nosso Guia sobre T21 que você pode baixar completo gratuitamente na versão digital.

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